Defina rolê aleatório
Era uma quarta-feira comum. Estávamos indo realizar o estágio de Psicopatologia Especial. Nosso grupo da faculdade — seis pessoas, cada um de uma cidade — se dirigiu ao campus da universidade em Araraquara.
Chegando lá, decidimos pedir dois carros de aplicativo para irmos ao local do estágio. Faríamos uma oficina terapêutica em uma casa de acolhimento para dependentes químicos.
O primeiro grupo digitou o endereço que havíamos visto na internet e seguiu na frente. Ficamos nós três, meninas, esperando o segundo carro. Digitamos o mesmo endereço e aguardamos. Alguns minutos depois, o carro chegou.
Entramos.
...E sinceramente? Eu estava com uma sensação estranha, parecia que o endereço não estava certo. Mas nenhum de nós era da cidade. Não conhecíamos nada além dos quarteirões ao redor da faculdade. Perguntei à motorista se ela conhecia a São Joaquim. A senhora, muito simpática, disse que até conhecia, mas que não saberia dizer exatamente onde ficava.
Seguimos na rota. Em certo momento, nosso contato dentro da instituição nos passou o endereço correto. Avisamos o pessoal do outro carro, mas não conseguimos contato imediato.
Tereza — a motorista — parou o carro e tentou se localizar na cidade. Enquanto isso, eu atualizei o destino para o novo endereço. Ela comentou que “esse sim parecia certo”, pois levava a uma estrada conhecida.
Seguimos. Era um lugar deserto, estrada rural, mato por todo lado. E, de repente, o aplicativo mostrou: você chegou ao seu destino.
Olhamos em volta. Nada. Só mato. Nenhuma construção. Nenhuma alma viva.
Nesse meio tempo, Tereza nos disse que iria desligar o Uber, pois “já tinha nos entregue”. E então veio a derradeira frase:
“A partir daqui, EU ME RESPONSABILIZO por tudo o que ACONTECER com vocês.”
GELAMOS.
Meio apavoradas, com risos nervosos, começamos a cogitar voltar para a faculdade.
Tereza virou o carro e seguiu em outra direção. Tentamos contato com nosso grupo e, finalmente, eles responderam: estavam na São Joaquim, sim!
Então, para onde aquela senhora estava nos levando no meio da noite?!
Tereza parou num barzinho para se orientar. Quando voltou, perguntou:
“É com o João que vocês vão conversar?”
Confirmamos. Ela abriu o celular, mostrou uma conversa com o tal João e tentou ligar para ele. Ele não atendeu. Mesmo assim, seguimos pelo caminho indicado.
Enquanto nosso grupo tentava entender aquela confusão, descobrimos que nossos colegas estavam sim na São Joaquim. Mas… na unidade feminina. DO OUTRO LADO DA CIDADE.
Tereza entrou numa ruazinha cheia de chácaras e, lá no meio, apareceu uma igreja com luz vermelha, no meio do mato. Cena de filme de terror, claramente.
As meninas já estavam nervosas, eu também. Mas seguimos.
Chegamos, enfim, a uma grande chácara no fim da rua. Lá havia uma plaquinha indicando ser o alojamento dos rapazes.
Agradecemos à Tereza, que agora era nosso anjo da noite, e dissemos que íamos descer. Ela, então, disse que iria entrar conosco.
Assim que chegamos, fomos recebidas por João. Ele nos cumprimentou, olhou estranho para Tereza, se aproximou… e, de repente, os dois se ABRAÇARAM. Um abraço apertado, emocionado e cheio de surpresa.
Ficamos sem entender nada.
E então descobrimos: eles estavam conversando há algum tempo pelo Instagram. NUNCA TINHAM SE VISTO PESSOALMENTE. Tinham amigos em comum e estavam se aproximando bastante.
Eles compartilharam a história de amor conosco, ainda meio em choque com o reencontro tão inusitado.
Enquanto isso, o restante do grupo se perdeu e decidiu voltar para a faculdade — estavam muito longe.
Entramos na chácara, conhecemos os participantes da oficina. Homens de todas as idades e aparências. Eram dez. Nos apresentamos, sentamos com eles e fomos conhecendo um por um, com nome, idade, motivo de estar ali. Por questão de sigilo, não posso compartilhar o que foi dito, mas foi um momento emocionante. Intenso. Humano.
Depois da roda de conversa, encontramos João e Tereza tomando um chá - finalmente!
Conhecemos também a palestrante da noite, Pétala, que morava em outra cidade e estava lá para contar sua história de superação como ex-adicta. Atualmente FISICULTURISTA.
E mais uma surpresa: Tereza e Pétala se conheciam! Tereza já havia sido diretora da escola onde Pétala trabalhava — escola que ficava em outra cidade. Pétala nos contou que, na verdade, não era para ela estar ali naquela noite. O padre tinha combinado de ela ir só cinco dias depois, mas, de última hora, mudou a data.
Ficamos espantados com tantas situações inusitadas. Era muito encontro improvável para uma noite só.
Sentamos para tomar chá com o pessoal. Tinha bolachinha também. Eu, particularmente, detesto chá. Tenho uma longa e terrível história com eles (fica para outro dia). Recusei no começo, mas achei rude diante de tanta hospitalidade. Então aceitei e fui tomando aos poucos, como quem não queria fazer desfeita. O tempo foi passando e as meninas, com receio de estarmos incomodando por conta da hora, me apressaram com o chá. Eu já não aguentava, até que uma delas, solicita, tomou o restinho por mim. Obrigada, Bia!
João, então, foi tocar o sino — era a hora da medicação dos rapazes. Todos se enfileiraram calmamente para receber seus remédios e se prepararem para dormir.
O padre responsável pelo projeto se aproximou, nos cumprimentou e agradeceu por termos ido até lá. Conversa vai, conversa vem, Jasmine comentou, como curiosidade, que tínhamos um professor que era padre. O padre perguntou o nome e… sim, ele conhecia! Disse que já haviam morado juntos, na época em que estudavam.
Era coincidência demais.
Pétala disse que aquele encontro precisava ser registrado. Tiramos uma foto, trocamos contatos.
E, no fim, Terezinha (já íntima) nos levou de volta para a faculdade. Feliz da vida com tudo o que havia acontecido.
No caminho, ela nos contou que era formada em Ciências Sociais e Pedagogia, e que hoje estava aposentada. Disse que era crente, e que todo dia, ao acordar, orava pedindo o cuidado de Deus:
“Que Ele abençoe meu dia e livre do mal todos aqueles que estiverem sob minha responsabilidade. E hoje, foram vocês.”
Ao chegar à faculdade, Tereza fez questão de descer do carro. Abraçou cada uma de nós e disse que foi uma alegria nos conhecer. Combinamos dela ser nossa motorista nos próximos encontros.
E assim terminou a noite. Uma noite que parecia um desastre, e virou um encontro mágico, cheio de histórias cruzadas, encontros improváveis e, acima de tudo, providência.
Foi só uma quarta-feira comum.
Mas que noite.
Por uma questão de privacidade, alterei o nome da galera.
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